O Município de
Palmela está preocupado com o Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e
Investimento (TTIP), acordo bilateral de comércio livre que a Comissão Europeia
e o Governo dos Estados Unidos da América têm vindo a desenvolver. A este
propósito, foi aprovada, na reunião pública realizada a 6 de abril (com o voto
contra do Vereador do PSD/CDS-PP e as abstenções dos Vereadores do PS), uma
Moção relativa ao processo de negociação em curso.
A concretizar-se nos
moldes em que tem vindo a ser anunciado, este acordo, que pretende liberalizar
o comércio e abrir os mercados, terá efeitos muito fortes em todos os setores
da sociedade e, pela sua importância transversal, deveria ser alvo de uma
discussão transparente e aberta. No entanto, não é o que tem vindo a
verificar-se, com as negociações a decorrerem sem que disso haja nota e sem o
envolvimento, por exemplo, dos diversos setores económicos ou das associações
de consumidores.
Em causa, pode estar
a sustentabilidade de territórios como Palmela, cujo equilíbrio económico
assenta nos valores endógenos, nomeadamente, nos produtos locais
diferenciadores e de grande qualidade. Com a liberalização proposta, podemos
vir a assistir a fenómenos de produção global de iguarias que contam, hoje, com
denominações de origem, casos do Queijo de Azeitão ou do Moscatel de Setúbal.
Também aos níveis ambiental, dos direitos do trabalho e da saúde (com a
liberalização do cultivo de organismos geneticamente modificados), este acordo
suscita muitas dúvidas, que devem ser respondidas e equacionadas antes que seja
tarde demais. É, portanto, urgente exigir mais informação e suscitar a atenção
e o debate junto da comunidade, das organizações representativas e da
comunicação social.
Abaixo,
transcreve-se, na íntegra, o texto da Moção:
«Recentemente, têm
estado em negociação vários tratados internacionais, entre eles TTIP (parceria
transatlântica para o comércio e investimento), CETA (acordo global económico e
comercial), TPP (parceria transpacífico), TISA (acordo de comercio de serviços),
que visam, oficialmente, liberalizar o investimento e o comércio em vastas
zonas do globo, com o declarado objetivo de construir e legitimar um novo
paradigma de poder corporativo das grandes empresas sobre os Estados.
No caso da Parceria
Transatlântica para o Comércio e Investimento (TTIP), a Comissão Europeia e o
Governo dos EUA têm vindo a promover, no maior secretismo, um Acordo Bilateral
de Comércio Livre, também denominado por Tratado Transatlântico. O que se sabe
com este tratado é o facto de se pretender “ligar ao mais alto nível de
liberalização os acordos de comércio livre existentes, (bem como) a eliminação
de todos os obstáculos inúteis ao comércio (…) e à abertura dos mercados”.
A aceitação deste
Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento, tendo em conta a
sua dimensão, viria afetar, de maneira horizontal, todos os sectores económicos
e todos os sectores da sociedade. Só por esta razão, todo o processo que
envolve este acordo deveria ser um modelo de transparência e democracia, mas,
de facto, não é isto o que acontece, pois o que se observa é um processo
obscuro, nada transparente e pouco democrático.
Após dois anos de
negociações, não existe informação concreta sobre o que está a ser concertado
na especificidade, nem são conhecidos verdadeiros estudos independentes sobre
os impactos social, económico e ambiental e, acima de tudo, não existe um
verdadeiro debate, sério e abrangente, dentro da sociedade e mesmo para as
instituições democraticamente eleitas, como os Parlamentos Europeu e Nacionais,
sendo a informação condicionada e escassa.
Importa salientar que
este tratado não é de facto um tratado qualquer; ele resulta de uma alteração
de estratégia por parte dos EUA e da UE, com vista a alcançar o objetivo da
liberalização do comércio mundial e que caiu num impasse com o falhanço das
negociações ao nível da OMC.
Assim, EUA e UE
decidiram alcançar por via dos acordos bilaterais aquilo que não conseguiam
alcançar com um acordo multilateral e de facto EUA e UE juntos, representam 60%
do PIB mundial, 33% do comércio mundial de bens e 42% do comércio mundial de
serviços, o que quer dizer que só por aqui grande parte da liberalização do
comércio mundial fica desde logo feita.
Acresce a isto que
este acordo, a concretizar-se, servirá de pressão para que os países que têm
bloqueado as negociações ao nível da OMC deixem cair determinadas exigências,
uma vez que este acordo, ao mesmo tempo que favorece as trocas comerciais entre
EUA e UE prejudica as exportações de países terceiros para estes dois mercados.
Em relação aos
impactos que poderão advir da assinatura deste acordo eles são muitos e
diversos desde logo ao nível social, com a perspetiva de destruição de milhares
de empregos, nomeadamente por via da falência das micro e pequenas empresas e
da agricultura familiar que não sobreviverão a um mercado completamente
liberalizado, onde a regra é exatamente a ausência de regras públicas de
regulação do comércio e da produção.
Também ao nível
social, o que poderá ser perspetivado será a continuação da degradação dos
direitos laborais por toda a Europa, em nome da competitividade nos mercados
mundiais, por via do chamado dumping social.
Por outro lado, este
tratado significaria também aligeirar as regras no que respeita à garantia da
qualidade dos produtos, em matéria de segurança alimentar, em matéria de
impacto ambiental dos modelos de produção, em matéria de bem-estar animal,
entre outros, uma vez que a harmonização da regulação que está prevista entre a
UE e os EUA será sempre no sentido do menor denominador comum, ou seja, para
uma forma de regulamentação mais permissiva e onde se inclui aqui a ameaça de
liberalização do cultivo de OGM.
Acresce ainda que,
para além de se refletir em menos políticas públicas, este tratado representaria
também um atentado ao papel legislativo futuro das instituições democráticas,
uma vez que, em qualquer matéria alvo de acordo e onde a realidade futura venha
a ditar a necessidade de nova regulamentação, será necessário haver o
consentimento da outra parte para que tal se possa verificar, falando-se ainda
de um mecanismo para a resolução de conflitos, que permitiria que as empresas
transnacionais processassem os Estados, fora dos seus tribunais nacionais, pela
perda de lucros, nomeadamente de lucros futuros, o que conduziria à dissuasão
da atividade pública legislativa também por esta via.
O TTIP implica,
igualmente, um modelo produtivo mais intensivo e concentrado. Por exemplo, ao
nível do sector agrícola, o que os dados previsionais espelham é que existem
diferenças de realidades no que toca a modelos de produção entre os dois lados
do atlântico, nomeadamente no que respeita ao seu grau de intensificação (por
ex., enquanto na UE a área média por exploração é de 13 ha, nos EUA é de 180
ha; enquanto na UE existem 57 trabalhadores por cada 1000 ha, nos EUA existem 6
trabalhadores), sabendo-se bem qual o modelo económico que sairá beneficiado
por este acordo e as consequências que tal trará ao nível laboral e da
sustentabilidade ambiental de um futuro modelo produtivo.
Considerando que, em
termos de sustentabilidade, não se coloca apenas o nível do modelo produtivo,
como também o nível do modelo de comercialização, uma vez que o TTIP irá
estimular ainda mais a deslocalização do consumo e da produção, num sistema
baseado cada vez mais no consumo de combustíveis fósseis e na mercantilização
dos recursos naturais, com enormes impactos, por exemplo, ao nível das
alterações climáticas.
São medidas desta
natureza que põem em causa a sustentabilidade do território, comprometendo a
diferenciação e o sucesso dos seus produtos de qualidade e a afirmação de uma
economia de base local assente em valores endógenos.
Neste sentido, a
Câmara Municipal de Palmela delibera, na sequência da presente proposta:
1 - Manifestar
estranheza por um acordo desta importância e dimensão estar a ser negociado no
‘segredo dos gabinetes’, sem o conhecimento dos Estados e a participação
alargada dos sectores económicos e associações de consumidores nacionais.
2 - Reclamar e tudo
fazer para que qualquer futuro acordo comercial seja alvo de um processo
transparente e democrático, acompanhado por um verdadeiro debate, sério e
abrangente, dentro da sociedade.
3 - Rejeitar os
impactos negativos do Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e
Investimento em negociação, nomeadamente os sociais, económicos, laborais,
ambientais e alimentares e de eventual limite às próprias funções do poder
democrático, garantindo-se sempre a prioridade da defesa dos interesses
nacionais.
4 - Exprimir a sua
preocupação, instando o Governo para que não venha a ser subscrito este acordo,
nos termos em que tem vindo a ser negociado entre os EUA e a União Europeia.
Mais delibera ainda:
-
Enviar a presente moção para:
·
Presidente da Assembleia da República
·
Grupos Parlamentares da Assembleia da República
·
Primeiro- Ministro
·
Ministério da Agricultura, das Florestas e do
Desenvolvimento Rural
·
Assembleia Municipal de Palmela
·
Juntas de Freguesia de Palmela, Pinhal Novo, Quinta do
Anjo e União das Freguesias de Marateca e Poceirão
·
Confederações e associações locais de Agricultores
·
Organizações Locais de Produtores
·
Associações de Defesa do Consumidor
·
Associações Ambientalistas.»